«Há ruas que não existem. Fechadas entre um bairro e uma calçada e ninguém sabe o seu nome. Dizemos aos taxistas que é para lá queremos ir e eles ficam a olhar para nós como se quiséssemos ir para o inferno (que é o sitio onde ficam todas as ruas que eles não conhecem).
Há lá casas que vendem tudo, desde vassouras a santos. E Velas. E à noite nas calçadas estreitas que nelas desembocam há putas que passeiam despercebidas, misturadas com os santos que durante o dia parecem altivos e que, à noite, com as sombras que os iluminam devagar ficam com um ar envergonhado, curioso de quem passa.
Com uma ponta de inveja de terem que ser beatos. Há de cera, há de pedra, madeira, plástico, dos chineses e outros cujas proveniencias são inomináves.
Ainda assim há um espesso e encantador cheiro que nos leva a entrar, puxados pelo encanto, por essas ruas, em que se canta na rua e que de dia se passeia com sacos de compras e se cumprimenta quem passa e que nos deixam assim quentes.
A D. Maia e a Maria, os netos, e as putas e os rufias que de noite nos assustam ajudam o Sr. Rereira a levantar a caixas para a carrinha da fruta que ele trouxe da terra, juntamente com as batatas e o azeite. Com sorte queijo e pão do forno que compramos com prazer já duro. Daquele denso que nem o conseguimos pegar.
Há ruas onde as putas e os santos passeiam juntos. Em que nós entramos encantados. Em que nos apaixonamos, em que a pedra nos abraça e as velas são mágicas de uma velha bruxa que as vende com mãos trémulas e nos põem na boca um sabor denso a felicidade.»
G.