quinta-feira, 28 de outubro de 2010

G.

«Há ruas que não existem. Fechadas entre um bairro e uma calçada e ninguém sabe o seu nome. Dizemos aos taxistas que é para lá queremos ir e eles ficam a olhar para nós como se quiséssemos ir para o inferno (que é o sitio onde ficam todas as ruas que eles não conhecem).

Há lá casas que vendem tudo, desde vassouras a santos. E Velas. E à noite nas calçadas estreitas que nelas desembocam há putas que passeiam despercebidas, misturadas com os santos que durante o dia parecem altivos e que, à noite, com as sombras que os iluminam devagar ficam com um ar envergonhado, curioso de quem passa.

Com uma ponta de inveja de terem que ser beatos. Há de cera, há de pedra, madeira, plástico, dos chineses e outros cujas proveniencias são inomináves.
Ainda assim há um espesso e encantador cheiro que nos leva a entrar, puxados pelo encanto, por essas ruas, em que se canta na rua e que de dia se passeia com sacos de compras e se cumprimenta quem passa e que nos deixam assim quentes.
A D. Maia e a Maria, os netos, e as putas e os rufias que de noite nos assustam ajudam o Sr. Rereira a levantar a caixas para a carrinha da fruta que ele trouxe da terra, juntamente com as batatas e o azeite. Com sorte queijo e pão do forno que compramos com prazer já duro. Daquele denso que nem o conseguimos pegar.

Há ruas onde as putas e os santos passeiam juntos. Em que nós entramos encantados. Em que nos apaixonamos, em que a pedra nos abraça e as velas são mágicas de uma velha bruxa que as vende com mãos trémulas e nos põem na boca um sabor denso a felicidade.»

G.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

GALINHAS!

GALINHAS! GALINHAS! GALINHAS!!

domingo, 23 de maio de 2010

Se eu tivesse uma Escola de Formação #1

Uma das áreas de formação destinar-se-ia a todos os cidadãos que não são economistas, TOC, contabilistas nem membros do Ministério das Finanças. Mas que pagam impostos, fazem o IRS, passam Recibos Verdes e são constantemente papados pelas nossas Finanças. Por ignorância e crença nas explicações diferenciadas dos colarinhos brancos atrás dos balcões.

Seria algo do género: Finanças para Dummies.

sábado, 1 de maio de 2010

Café em Lisboa

Dá-me um prazer desmesurado passar horas num café sozinha.

A ouvir e sentir. Os passos, as cadeiras a arrastar, as conversas. Sobretudo as conversas. Sou bisbilhoteira. Sempre o assumi, sem ponta de vergonha. Por isso, gosto de ouvir a conversa dos outros, observá-los. Nem sempre para tecer comentários mais ou menos positivos sobre as mesmas. Mais para saber, e sentir. Sentir conversas, descobrir-lhes os encantos, as origens.

Lembro-me de em criança ficar muito intrigada com a forma como as pessoas começam a conversar.

Pela mão da minha avó, percorria caminhos desconhecidos todos os dias, sempre ao encontro de uma amiga, de uma vizinha, de alguém que passava. Dali a pouco, já se conversava animadamente sobre qualquer coisa. E isso intrigava-me. «Porque raio começam as pessoas a conversar? Como o fazem?», perguntava.

Ainda hoje isso acontece. Já não me questiono tanto porque conversam. Já tenho como certa a necessidade de comunicação verbal, mas não deixa de me deslumbrar os trilhos das conversas. Que caminhos percorrem, de onde vêm e para onde vão? Algum dia chegam ao fim? As conversas.


Café em Lisboa, 19h do dia 1 de Maio

«O que interessa é a relação entre os conceitos. Não interessa a matéria, estás a ver? O que interessa é a relação entre o todo e as partes», disse a rapariga de amarelo, muito assertivamente, na mesa do canto.

«E o que é isso me diz?», pergunta a amiga de branco, levantando o sobrolho.

«Não diz nada, é mesmo assim... (silêncio). Isto depois é uma proposição analítica.», conclui.

Aqui discute-se a filosofia de David Hume.

Palavras de que gosto #1

Assim como acontece com as palavras de que não gosto, também me deparo diariamente com a pronunciação de inúmeras palavras de que gosto muito. Na grande maioria das vezes sei explicar concretamente porquê. Nas restantes, é apenas um doce afecto. E isto de sentir afecto por palavras é estranho.

«Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.»

Alexandre O'Neill

«colmatar»

v. tr.
1. Encher uma depressão ou abertura com determinado material. = TAPAR
2. Corrigir ou completar as falhas de alguma coisa.
3. Fazer a colmatagem de.

In Priberam.pt

Lembro-me de várias vezes nos tempos de faculdade sugerir este verbo para trabalhos de Tv, ou escrevê-lo em trabalhos escritos. Algumas vezes com sucesso outras nem tanto. Mas é uma palavra que me preenche. Induz-me a ideia de ultrapassar, mas não só. Algo mais.

Não apenas passar por um obstáculo e ultrapassá-lo, mas a ideia de o arruinar por completo, não deixando alternativa de aparecer novamente no caminho.

Esta ideia descansa-me.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Palavras que não consigo suportar #1

Sempre que oiço uma palavra de que não goste começo a ter espasmos, as minhas mãos começam a tremer, posso ainda eventualmente revirar os olhos (apenas em casos extremos). Quando me perguntam porquê, tenho de me esforçar para não revelar a verdadeira causa. Já usei todas as justificações: dor de cabeça, arrepios de frio, orgasmos involuntários, entre outros.

A verdade é que existem palavras de que não gosto. Mesmo. Consigo explicar, geralmente. Mas muitas vezes, é apenas implicância.

«Cota»

Oiço tanta gente, boa gente, a proferir esta malfadada palavra.
O site da Priberam adianta que a palavra «cota» pode ser usada significando «pessoa mais velha». No entanto, continuo a achar que esta palavra tem tanto de feia como de brejeira. Até pode estar a ser usada correctamente, mas continua a não ter estilo, a ser simplória. E isso é grave.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

I.

Fico feliz por ti, triste por mim e feliz por mim e por ti. Já não sei o que digo. Já não entendo. Sinto-me apenas grata por teres tornado tantas e tantas vezes os meus dias melhores.

Por me teres recrutado, por me teres ajudado, por teres dito err, tantas e tantas vezes. Por teres rido e chorado comigo. Por teres sido tudo e nada, quando nada era o que eu merecia. Por me teres ajudado a perceber o imperceptível. Agora vais à procura do que queres. Espero que o encontres., ou que pelo menos ganhes ânimo para continuar a procurar «o teu mundo, o teu lugar».

Continuarei aqui. Aqui, significando, no corredor das bolachas e biscoitos do supermercado.